Por Ligia Teixeira - historiadora
Certa manhã, chuvosa e com o tempo abafado – como é típico em São Luís – um homem de cabelos grisalhos, óculos largos e um andar sereno, porém firme, estendeu a mão para cumprimentar minha mãe que, sentada ao lado da janela observava o movimento na rua. Ao fundo uma música insistente tocava, repetindo infinitas vezes o nome de um homem. Eu era pequena e minha preocupação, como de todas as crianças da vizinhança, era apenas a de correr decidida atrás de um cabo eleitoral e do carro de som, para conseguir santinhos de mais um candidato que chegava. Toda criança é fascinada com aquele bolo enorme que mais parece a coleção completa para um importante álbum de figurinhas. Quando consegui meu bolo de santinhos, maior do que o das outras crianças, voltei para casa feliz e vi o candidato em pessoa cumprimentar minha mãe, ainda que muito rapidamente.
Eu era bem menina e não fazia ideia da relevância dele para São Luís, a cidade em que nasci e que foi administrada por ele três vezes. Não entendi por que aquele homem cumprimentara justamente a minha mãe. Um homem que deveria ser importante, uma vez que para ele havia música, um séquito pessoal e tantas fotos suas reproduzidas em santinhos…
- “Mãe, quem é aquele moço?”
- É o Dr. Jackson, minha filha”
Não explicava muito, mas a partir daquele dia e até hoje, só consigo me referir a Jackson Kepler Lago (Pedreiras, 1 de novembro de 1934 - São Paulo, 4 de abril de 2011) , como “Dr. Jackson”, nome precedido pelo título em alusão à profissão de médico, exercida durante anos de modo paralelo à militância política.
Enquanto eu crescia, vendo a provinciana São Luís, administrada pelo PDT de Jackson, se transformando em uma cidade apinhada de desvalidos do campo, trabalhadores, estudantes e pessoas que fugiam do interior do Estado por conta da ausência de todos os serviços públicos básicos inexistentes nas pobres cidades do Maranhão, eu aprendi a conhecer melhor o político que viveu praticamente toda sua carreira do lado oposto do grupo político que domina a política local.
Vi São Luís se tornar a cara do Dr. Jackson e do PDT, para o bem ou para o mal. Vi o dia em que eufórica, a capital comemorou a plenos pulmões na Praça Maria Aragão, a vitória do médico pedreirense, fato histórico que marcava a interrupção de mais de 40 anos de domínio quase despótico do Senador José Sarney. Num Estado com imensa dificuldade para produzir lideranças jovens, Dr. Jackson preencheu, por mais de 20 anos, o vazio ideológico de uma oposição que não sabia, não podia e em muitos casos, não queria mesmo, desafiar frontalmente, os donos do poder estadual.
Com Jackson, o Maranhão foi feliz por pouquíssimo tempo. O médico que liderou a capital por duas décadas, não conseguiu dar um único passo a frente quando o desafio foi governar o Estado inteiro. Diante de uma máquina pública aparelhada pelos setores de aliados corruptos e sedentos pelo poder; sem uma bancada federal que o apoiasse nacionalmente, atormentado diariamente pela feroz cobertura midiática que não o poupou nem mesmo quando ele fez as coisas certas, o mesmo Maranhão que chorou de alegria carregando Jackson Lago nos braços para dar ao Palácio dos Leões o governador que tanto tempo sonhamos e lutamos, não voltou lá para solidarizar-se com ele quando, por força de uma manobra das mais violentas e arbitrárias que o Maranhão conheceu, Jackson Lago deixou o poder, de forma prematura e levando consigo as últimas esperanças de um povo, que aquela altura, já não acreditava mais em políticos, fossem eles de oposição ou situação.
No dia em que tomaram o mandato do Dr. Jackson, uma São Luís indiferente e apática, embrutecida pelo ceticismo da decepção de quem apostara todas as chances de um destino diferente nas mãos de um homem e vira esse homem não corresponder a seus anseios, deixou que Jackson partisse sem se dar conta de que tal indiferença nos condenaria a todos. Não se tratava de lutar por Jackson apenas, São Luís inteira deveria ir às ruas para mostrar ao Brasil que o Maranhão não aceitaria o retrocesso.
Ainda que Jackson não tivesse exercido o mandato dos sonhos de todos os maranhenses, sua presença no Palácio era mais, muito mais do que a presença de um político de oposição, um homem de carne e osso com defeitos e virtudes.
Lutar!
Ganhando ou perdendo, para mostrar ao Brasil que ainda tínhamos dignidade, que ninguém usurparia o direito de decidir o nosso próprio destino , que nossas escolhas, por mais equivocadas que pudessem ser, ainda eram nossas, só nossas e, a batalha, ganha ou perdida o Maranhão mostraria que ainda possuía o brilho nos olhos de quem não aceitaria mais o capachismo, a subserviência e o mandonismo dos que embrutecem as massas para manterem-se no poder a ferro e fogo.
São Luís, depois de 20 anos na trincheira ao lado de Dr. Jackson, capitulou
Lígia Teixeira – historiadora
Niterói, Rio de Janeiro, 04 de abril de 2011
Fonte: Luis Nassif
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