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quarta-feira, 6 de julho de 2011
Ministro a serviço de um partido, vídeo mostra conversa com o deputado Davi Jr.
por Lúcio Vaz e Sérgio Pardellas
Vídeo obtido por Istoé mostra como o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, usa dinheiro público para atrair deputados ao PR
Diálogo no gabinete do ministro
Na tarde de 24 de junho de 2009, o ministro Alfredo Nascimento recebeu em seu gabinete o deputado Davi Alves da Silva Júnior, então no PDT, para negociar a liberação de obras na rodovia BR- 010. Embora não tenha sido focalizado pelo cinegrafista, o deputado Valdemar Costa Neto também estava no gabinete e participou de toda a conversa.
O diálogo, no gabinete do ministro, mostra Nascimento discutindo a liberação de obras com o deputado Davi Júnior. No primeiro trecho da conversa, o deputado Valdemar Costa Neto conduz a negociação e admite ter feito um acordo prévio com o ministro para a assinatura do projeto. Durante a conversa, Nascimento deixa claro que Davi poderá obter mais recursos do ministério quando deixar o PDT e migrar para o PR.
Ministro Alfredo Nascimento – Já vou logo copiar aqui o pedido dele... Davi Alves da Silva Júnior, BR- 010, construção da travessia urbana...
Deputado Valdemar Costa Neto –
... de Imperatriz.
Deputado Davi Alves da Silva Júnior – Imperatriz, acesso a Davinópolis.
Costa Neto – Já começou o projeto,
não é, Davi?
Davi Júnior – Já.
Costa Neto – Já estão contratando, já está na fase final, viu, Alfredo?... Por isso que ele (deputado Davi Júnior) veio aqui te agradecer.
Nascimento – Ah!... É aquele negócio que tu me pediste?
Costa Neto – É, é...
Nascimento – Pra ele? (referindo-se ao deputado Davi Alves)
Costa Neto – É...
Nascimento – Rapaz, tu não tá nem no partido e já tá conseguindo arrancar as coisas daqui, imagina quando estiver no partido! (diz, dirigindo-se ao deputado Davi) (risos).
Na sequência da conversa, o ministro faz uma rápida leitura no texto que libera R$ 1,5 milhão para a obra e demonstra assinar de qualquer jeito o documento indicado por Costa Neto, sem saber do que se trata, nem mesmo em que lugar do Maranhão o projeto será implantado. Quem dispõe de todas as informações é Costa Neto.
Nascimento – ... (lendo o documento) informo que está sendo liberado nesta data limite adicional para movimentação do empenho, no valor de um milhão e meio de reais...
Costa Neto – Um milhão e meio, você que liberou.
Nascimento – (ainda lendo o documento) ... Ação... estudo de viabilidade e projeto de infra-estrutura de transporte, travessia urbana, na divisa das cidades de Divinópolis e Imperatriz.
Davi Júnior – Davinópolis (corrigindo o nome da cidade maranhanse).
Nascimento – São duas cidades?
Costa Neto – É Davinópolis... “da”...
Davi Júnior – Não, Davinópolis é a entrada, né?... seria a entrada.
Nascimento – São duas cidades?
Davi Júnior – São duas cidades, isso.
Costa Neto – Mas são ligadas?... Não?... não?...é só acesso.
Davi Júnior – É só acesso, é BR e o acesso... tem aquele bairro, que é o conjunto Vitória, onde... acontece mais acidente é ali.
Nascimento – Porque o acesso a gente só pode fazer até cinco quilômetros...
Costa Neto – ... Mas estão fazendo o projeto já... Só pega a parte da BR, não vai entrar na cidade... Isso que você liberou.
No final da conversa, mais uma vez o ministro mostra que não tinha conhecimento sobre a obra que estava aprovando.
Nascimento – É Davi ou Divinópolis?
Davi Júnior – É Davi... Ah, que botaram Divinópolis aqui (olhando para o documento), é Davi... é Davi mesmo.
Nascimento – Porra, você dono da cidade?
Costa Neto – É Davi, por causa do nome dele, por causa do pai dele, o pai dele que fez a cidade, o pai dele era deputado federal, Alfredo.
Nascimento – ... (observando os documentos) Então Davinópolis e Imperatriz... Mas não são as duas, é só uma.
Costa Neto – É só uma.
Davi Júnior – Isso.
Costa Neto – É que pega só acesso...
Nascimento – É travessia urbana de Imperatriz?
Costa Neto – De Imperatriz.
Em Brasília, as paredes não têm ouvidos, mas há muitas câmeras indiscretas e uma delas gravou uma daquelas conversas armadas para ficar em segredo. São diálogos mantidos durante uma reunião registrada em áudio e vídeo em pleno gabinete do ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento.
O vídeo obtido por ISTOÉ revela como o ministro e presidente do Partido Republicano (PR) usa o dinheiro público para cooptar deputados para a sigla e comprova a atuação do deputado Valdemar Costa Neto – réu no processo do Mensalão acusado de receber R$ 11 milhões do publicitário Marcos Valério – no Ministério dos Transportes, agindo como uma espécie de ministro de fato. E com amplo acesso a um cobiçado orçamento de R$ 21,5 bilhões para 2011.
Participam do encontro o ministro Nascimento, Costa Neto, o deputado Davi Alves da Silva Júnior, na época filiado ao PDT do Maranhão, e um assessor do parlamentar.
A reunião é rápida e as imagens se concentram na mesa da sala de reuniões do gabinete do ministro, onde estão sentados Nascimento e Davi Júnior.
Na conversa, o ministro custa a entender o pedido formulado pelo parlamentar para obras na rodovia BR-010, no Maranhão, até que pergunta a Costa Neto: “Ah! É aquele negócio que tu me pediste?” Confirmada a transação, o ministro comenta com Davi: “Rapaz, tu não tá nem no partido e já tá conseguindo arrancar as coisas daqui. Imagina quando estiver no partido!”.
Na sequência da declaração nada republicana, Nascimento e Costa Neto soltam uma sonora gargalhada. E, mais tarde, Davi Júnior vai de fato parar nas fileiras do PR e é agraciado com mais liberações milionárias pelo ministro.
O encontro aconteceu na tarde de 24 de junho de 2009. Na conversa, mantida na mesa de reuniões do gabinete do ministro, ficou acertada a liberação para o deputado de R$ 1,5 milhão para o projeto da travessia urbana de Imperatriz, sua base eleitoral.
A obra estava orçada em R$ 86 milhões. Na época, o encontro do deputado com o ministro chegou a ser divulgado, mas nenhuma providência foi tomada e a dupla Nascimento e Costa Neto continuou a agir com o apoio dos cofres do Ministério dos Transportes. Hoje, a obra na BR-010 é estimada pelo próprio deputado Davi Júnior em R$ 192 milhões.
Obedecendo ao roteiro traçado por Costa Neto e declarado pelo ministro no vídeo, Davi, menos de dois meses depois de sacramentado o negócio, mais precisamente em 19 de agosto daquele ano, apresentou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o pedido de desfiliação do PDT e, em seguida, subscreveu a ficha de ingresso no PR.
Levantamento feito por ISTOÉ mostra que a migração partidária trouxe novos e imediatos benefícios ao deputado, como se a transferência de partido tivesse gerado uma fatura a ser paga. Em setembro daquele ano, Davi Júnior conseguiu a liberação de recursos para outra obra vinculada aos Transportes. Dessa vez, com orçamento de R$ 340 milhões.
As cenas que mergulham Nascimento ainda mais no lamaçal da corrupção dos Transportes deixam claro o uso do dinheiro público para angariar correligionários. Mostram ainda que o deputado mensaleiro atua como uma eminência parda, indicando o que o ministro deve assinar para beneficiar seus aliados. É Costa Neto quem alicia o parlamentar, tem autorização para despachar de dentro do gabinete do ministro e orienta, quase determina, para onde vai e quando a verba será liberada. Logo no início do vídeo, Nascimento comenta: “Já vou copiar o pedido. Construção da travessia urbana...” É interrompido por Costa Neto, que não aparece na imagem (a pedido de ISTOÉ, uma perícia confirmou que a voz ouvida ao fundo é de Costa Neto – leia quadro na pág. 41). “...de Imperatriz”, completa, ansioso. Ele avisa, num tom bastante íntimo, que a obra já está sendo contratada. “Está na fase final, viu, Alfredo? Por isso ele (o deputado Davi Júnior) veio aqui te agradecer.” O ministro demonstra que tinha conhecimento prévio do pedido feito pelo chefe do partido ao indagar a Costa Neto se ele se referia “àquele negócio” acertado antes.
Diante da confirmação, Nascimento vira-se de volta para o visitante e faz o comentário no qual lembra que o parlamentar vai ser ainda mais bem atendido depois de entrar no partido. No encerramento da conversa informal, diz que Davi Júnior vai receber um comunicado do ministério sobre a liberação.
Os interesses de Valdemar e Davi Júnior se cruzaram em 2009, quando os partidos já se preparavam para o embate eleitoral do ano seguinte. Davi, filiado ao PDT, tentava havia dois anos a execução de uma emenda individual de R$ 800 mil para o projeto de uma obra no seu principal reduto eleitoral, a construção da travessia urbana de Imperatriz e Davinópolis. Costa Neto andava atrás de deputados de outros partidos para ampliar a sua bancada até a data-limite para a troca de legenda, no início de outubro. O mensaleiro, ex-presidente e agora secretário-geral do PR, tratou de chamar o deputado trabalhista para o seu ninho. Para atraí-lo, prometeu ajudar na liberação da verba para a obra tão desejada. O orçamento ficaria em torno de R$ 86 milhões. Antes de marcar a audiência no Ministério dos Transportes, adiantou e negociou o pedido com o amigo ministro, Alfredo Nascimento.
Filho do ex-deputado e ex-prefeito de Imperatriz Davi Alves, assassinado em 1998, Davi Júnior deseja seguir o caminho do pai, que deu nome à cidade de Davinópolis. As conquistas do herdeiro político do ex-prefeito são divulgadas com orgulho. Em agosto do ano passado, o seu informativo na internet anunciou: “Tudo pronto para o início das obras de revitalização da BR-010.” O texto explica que se trata da travessia urbana de Imperatriz até Davinópolis. “A obra está orçada em R$ 192 milhões”, informa o boletim, revelando um sobrepreço de R$ 106 milhões em relação ao projeto inicial. Em setembro de 2009, Davi informa que, na reunião em que tratou da travessia urbana de Imperatriz, questionou o ministro sobre o motivo da paralisação do projeto da travessia de Santa Luzia, Buriticupu e Bom Jesus das Selvas pela BR-222. “O ministro convocou o deputado Davi para reunião e confirmou que o projeto seria atualizado imediatamente e licitado pelo DNIT em dois lotes”, diz a nota. Um lote teria início em fevereiro e outro em julho de 2010. O gabinete do deputado informou na última terça-feira 5 que a obra já está em andamento e terá um custo de R$ 340 milhões.
A ação dos dirigentes do PR dentro do Ministério dos Transportes não é inédita e também não se encerra neste episódio. Em março de 2007, reportagem da ISTOÉ revelou um esquema de aliciamento de oito deputados que disseram ter recebido propostas para se filiar ao PR em troca de cargos e obras do Ministério comandado por Alfredo Nascimento. Líderes do PFL, do PSDB e do PPS afirmaram ter ouvido relatos de deputados que foram sondados para se filiar ao partido, por Nascimento ou seus emissários. Quem abordava os deputados era o então líder do PR na Câmara, Luciano Castro (RR). A conversa se iniciava sempre com o argumento de que deputado de Estado pobre não pode ser de oposição porque precisa de recursos federais para as suas regiões ou não se reelege. Aí, era oferecida a possibilidade de indicar cargos e liberar recursos orçamentários nas áreas ligadas ao Ministério dos Transportes. Seis deputados receberam a oferta de ganhar o poder sobre o escritório local do DNIT, órgão responsável pela construção e manutenção das rodovias federais. O deputado Márcio Junqueira (PFL-RR) contou que teve dois encontros com Nascimento. Disse que, nessas conversas, Nascimento lhe prometeu a liberação de emendas de obras rodoviárias. O PR saíra das urnas com 23 deputados em 2006, mas já tinha 38 em março 2007. Agora com maior rigor para o troca-troca partidário, o PR mantém 40 deputados desde as eleições do ano passado.
A lista de denúncias envolvendo o ministro e a sua pasta não para de crescer. O Ministério Público Federal no Amazonas, por exemplo, investiga o suposto enriquecimento ilícito de Gustavo Moraes Pereira, filho do ministro. O rapaz, arquiteto de 27 anos, criou a Forma Construções, com capital social de R$ 60 mil. Dois anos depois, a empresa tem um patrimônio superior a R$ 50 milhões, um crescimento de 86,5 mil por cento. O enriquecimento rápido de Pereira já havia sido denunciado por ISTOÉ em julho de 2009. Então com 25 anos, o jovem declarava um patrimônio de R$ 1,28 milhão, o dobro do que o pai informava possuir à Justiça Eleitoral em 2006. O MP está analisando contratos da empresa do filho do ministro com empresas que prestam serviços ao Ministério dos Transportes. Diante das pressões, Nascimento suspendeu por 30 dias as licitações realizadas pelo DNIT e pela Valec, ligadas ao seu Ministério, e decidiu aceitar a convocação para comparecer ao Congresso e se explicar.
Apesar de ter o apoio do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu padrinho no ministério, e presidir um partido importante para a sustentação política do governo, Alfredo Nascimento enfrenta ataques cada vez mais fortes da oposição. Na última semana, PSDB, PPS e DEM iniciaram a coleta de assinaturas para instalar uma CPI a fim de investigar as irregularidades no ministério. “Os desmandos ocorrem há muitos anos e continuam nesse governo”, reclama o senador Álvaro Dias (PSDB-PR). Na verdade, Nascimento nunca gozou de confiança cega da presidente Dilma Rousseff. Por isso, conforme apurou ISTOÉ, Dilma mantinha um olheiro e informante dentro da pasta. Trata-se de Hideraldo Luiz Caron, diretor de infraestrutura rodoviária do DNIT, que ela importou do Rio Grande do Sul. Para não levantar suspeitas, Caron se reunia com a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, repassando-lhe informações preciosas sobre o andamento dos processos no DNIT, sobretudo em relação aos superfaturamentos e aditivos feitos de forma irregular. Miriam, por sua vez, contava tudo a Dilma. Quando percebeu que a pasta estava envolta em irregularidades praticamente insanáveis, a presidente afastou a cúpula do ministério, entre eles o diretor-geral do DNIT, Luís Antônio Pagot. A preocupação da presidente com os desmandos no Ministério dos Transportes persiste. E, como comprova o vídeo revelado por ISTOÉ, Dilma tem motivos de sobra para querer ver os caciques do PR longe da pasta.
Na última semana, a pergunta mais ouvida em Brasília era: se Dilma sabia das irregularidades nos Transportes, por que ainda mantém Nascimento no comando do órgão? O que se sabe é que o ministro, além de próximo a Lula, sempre foi um aliado estratégico do PT no Amazonas. Nos últimos dias, o PT do Senado fez forte pressão para que Dilma não tirasse Alfredo Nascimento do cargo. Os petistas têm, na verdade, um argumento corporativo. O ministro é senador licenciado e, se perder o emprego, voltará para o Senado, ocupando a vaga de João Pedro, do PT do Amazonas, o que diminuiria a bancada do partido para 13 senadores, e aumentaria a do PR para seis. As pressões do PT, no entanto, deverão ser inócuas. Nos últimos dias, embora tenha divulgado comunicado afirmando que “o governo manifesta sua confiança no ministro” e que ele é o “responsável pela coordenação” da apuração das irregul=aridades ocorridas no ministério, Dilma disse em reuniões com auxiliares bem próximos que, se houvesse novas denúncias contra o ministro, ele não seria poupado. Diante do novo cenário e com a revelação de que dinheiro público vem sendo usado para cooptar parlamentares para o PR, com a tutela do mensaleiro Costa Neto e o aval de Nascimento, a situação do ministro se complica de vez.
1.300 km de falcatruas
ISTOÉ tem acesso ao último relatório do tribunal de contas da união sobre a ferrovia norte-sul, que revela superfaturamento de r$ 69 milhões num trecho de apenas 280 quilômetros
Na terça-feira 5, ISTOÉ teve acesso às mais recentes atualizações do Tribunal de Contas da União sobre a lista de obras com irregularidades graves no País. O documento mostra que pelo menos seis trechos da Ferrovia Norte-Sul se mantêm com retenção de pagamentos por conta de sobrepreço apontado por auditorias do órgão de controle. Em várias etapas da obra, foram apontados preços acima dos de mercado, em percentuais próximos dos 20% – o que remete para desvios de centenas de milhões de reais. Os números relacionados no documento do Tribunal de Contas reforçam a imagem da ferrovia como um dos maiores símbolos da corrupção do País. A estrada começou a ser construída há 24 anos e nasceu torta. A primeira concorrência foi fraudada e ficou comprovado que empreiteiras de todo o Brasil fizeram um acordo prévio para escolher qual lote da ferrovia ficaria com quem e a que preço. A investigação do TCU mostra que de lá para cá pouca coisa mudou. Talvez a única alteração tenha sido a rota do dinheiro desviado. Segundo investigações ainda em andamento na Polícia Federal e no Ministério Público, a Norte-Sul seria uma das principais fontes que abastecem atualmente o caixa do PR, partido do ministro Alfredo Nascimento.
O resultado das novas investigações do TCU apontam irregularidades em duas das etapas mais recentes da Norte-Sul. Na primeira delas, entre Anápolis e Uruaçu, em Goiás, orçada em R$ 780 milhões, foi identificado sobrepreço em todos os cinco lotes da construção. Em apenas dois deles, de Ouro Verde a Jaraguá e de Santa Isabel a Uruaçu, com orçamento de R$ 333 milhões, foram apontados valores acima dos de mercado, num total de R$ 69 milhões. Para evitar os prejuízos decorrentes da paralisação dos serviços, o Tribunal preferiu adotar uma medida mais branda: a retenção parcial dos repasses. Isso significa que ficaram retidos nos cofres públicos recursos equivalentes aos percentuais de sobrepreço – 19,8% no primeiro lote e 20,5% no segundo. Se as empresas conseguirem provar que os preços estão adequados ao mercado, o dinheiro represado será liberado mais tarde.
O TCU também já havia identificado irregularidades nos cinco lotes da etapa Anápolis-Uruaçu ao longo de 280 quilômetros. As grandes empreiteiras que venceram as licitações estavam repassando parte dos contratos para pequenas empresas, sem prévia autorização da Valec, a estatal responsável pela construção de ferrovias no País. Até mesmo o Tribunal desconhecia o nome dessas empresas subcontratadas. Várias delas deixaram de pagar seus funcionários e geraram prejuízo para a estatal, que respondeu pelas ações trabalhistas. Na segunda etapa com irregularidades, entre Palmas e Uruaçu, também foram apontados preços acima dos de mercado. O sinal de alerta nas obras da Norte-Sul foi dado no final de 2008. Auditorias do próprio TCU e inquéritos da Polícia Federal apontavam indícios concretos de superfaturamento, fraude em licitações e tráfico de influência. Os valores excessivos somavam R$ 516 milhões em 16 lotes entre Aguiarnópolis (TO) e Palmas. Houve clara restrição à competitividade das licitações, com limitação da participação da mesma empresa em mais de dois lotes. “Ao que tudo indica, as obras foram loteadas entre um restrito grupo de empresas”, resumiu o relatório do TCU. O resultado é que a concorrência apresentou deságios irrisórios pelas empreiteiras. A média dos descontos ofertados ficou em 0,9%, um índice impensável em ambiente de real competição, segundo os auditores do Tribunal. O desvio de recursos públicos acontecia da forma mais inesperada. Uma delas consistia em fazer um espaçamento entre dormentes acima dos padrões técnicos. A distância entre eles deveria ser de 60 centímetros, mas chegava a 74 centímetros. A diferença pode parecer insignificante, mas o custo de cada um ficava em torno de R$ 500, e eram 1.666 dormentes por quilômetro. Em alguns trechos, havia pouco mais de 1,5 mil unidades por quilômetro, mas o pagamento era feito como se o espaçamento estivesse correto.
O chumbo mais pesado viria de um órgão do próprio governo, a Polícia Federal. Escutas telefônicas autorizadas pela Justiça mostraram estreitas ligações entre o diretor de Engenharia da Valec, Ulisses Assad, e o empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney.
Empreiteiros ligados ao grupo liderado por Fernando foram beneficiados por subcontratações na obra. A empresa Lupama, de Gianfranco Perasso e Flávio Barbosa Lima, recebeu uma subempreitada de R$ 46 milhões da Constran, que havia vencido a licitação para o lote de 105 quilômetros entre Santa Isabel e Uruaçu – aquele mesmo que teve sobrepreço apontado pelo TCU anos mais tarde. Numa das conversas gravadas, Gianfranco relatava como faria para tocar a obra. “Vamos pensar assim, a princípio 100% do contrato. Obviamente, para isso aí acontecer, nós temos que estar dentro dessa subempreitada.”
O grande responsável pela gestão desses empreendimentos é o ex-diretor executivo da Valec Engenharia, José Francisco das Neves, o Juquinha. Há três meses, reportagem de ISTOÉ revelou as operações irregulares comandadas por Juquinha. No sábado 2, ele foi afastado do cargo em meio às denúncias de corrupção que envolvem o Ministério dos Transportes. Conforme antecipou a reportagem de ISTOÉ, laudo do Instituto Nacional de Criminalística, da Polícia Federal, constatou superfaturamento de R$ 71,7 milhões num trecho de 105 quilômetros da Ferrovia Norte-Sul, em território goiano. Os peritos também questionaram a lisura da licitação e suspeitam de “conluio” das empresas, exatamente como o ocorrido em 1987, quando a ferrovia começou a ser construída. O superfaturamento no trecho que separa as cidades de Santa Isabel e Uruaçu, em Goiás, não seria exceção, mas uma regra ao longo de toda a obra. “Sete lotes da Ferrovia Norte-Sul foram licitados com base no mesmo edital analisado neste laudo e, portanto, é provável que o sobrepreço apurado no lote 04 se repita nos demais”, concluíram os peritos. Com a demissão de Juquinha e com a presidente de olho no Ministério dos Transportes, talvez a Norte-Sul ganhe novos contornos.
Fonte: Revista Isto É
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